AINDA ESPERO POR VOCÊ

Via Pinterest

Eu esperei por você o inverno inteiro. Fiz chocolate quente todos os dias pela manhã, na esperança de que o cheiro suave que inundava a casa te fizesse acordar de bom humor, como aconteceu durante todo o outono. Li e reli seu soneto preferido enquanto tomava um gole forçado daquele líquido que já não tinha o mesmo sabor. Tirei cada grão de poeira que tocava o piano onde você passou todos os dias do último verão compondo a Nossa Canção e o mantive intacto para o dia em que seus dedos imaculados o tocassem novamente. 

Mantive a fruteira estocada de mangas, porque eu sabia o quanto você adorava se lambuzar com aquela fruta, e tive que jogar todas fora enquanto chorava me lembrando de como você, não contente, ainda me sujava com aquela meleca amarelada, soluçando de tanto rir da minha cara de nojo. Ainda durmo, na maioria das noites, com sua blusa desbotada que um dia já foi azul celeste, e sonho com você me dizendo o quanto me amava naquele blusão, porque eu era o anjo que habitava seu céu.  E eu ainda acordo assustada no meio da noite, com a sensação de que o telefone debaixo do travesseiro está tocando, e que é você me dizendo que esqueceu a chave em casa novamente. Amor, eu ainda vou até a janela todas as noites conversar com as estrelas, aquelas que nomeamos nossas madrinhas.

Não foi fácil dizer adeus. Meu coração ainda espera por você, o meu corpo ainda se arrepia ao ser tocado pelo vento, o mesmo vento que um dia tocou seus cabelos molhados pela chuva torrencial daquela madrugada fria. Você se foi sem poder se despedir, meu bem.

O jantar já havia esfriado e eu havia adormecido no sofá, sobre as almofadas que ainda estavam úmidas por causa das lágrimas que derramei por achar que você havia esquecido o nosso dia. Logo aquele dia, que, além do jantar, reservava outra surpresa: a vida que geramos juntos; o fruto do nosso amor.

O telefone tocou, mas não era você. Era alguém com um nome difícil e com a voz confusa por conta de barulhos ao fundo. Eu não conseguia entender no começo, era um misto de vozes com sirenes. Mas logo a névoa do sono se dispersou e eu pude entender o que a mulher dizia: ‘Senhora Lover? Senhora? Consegue me ouvir? Eu disse que sou a policial S.S. e infelizmente venho trazer a notícia de que o seu marido sofreu um acidente e foi conduzido ao hospital municipal...’. Eu não consegui processar a informação. Tudo que consegui fazer foi colocar a jaqueta, pegar as chaves e sair em direção ao hospital que aquela mulher havia me informado. (...)

Foi um inverno difícil, amor. O frio das ruas se misturou com o frio aqui de dentro. Qualquer tarefa trivial se tornou difícil demais sem você. Eu preferiria que você tivesse ido por vontade própria, mas te tiraram de mim. Tiraram um pedaço da minha vida. Alguém anda hoje por aí carregando nas mãos a vida que tirou de você, meu amor. Alguém leva nas mãos o seu sangue, enquanto eu, carrego no ventre a única coisa que ainda me faz querer viver: o amor que você plantou em mim. A nossa Julia Lover.

TEXTO DE MINHA AUTORIA EM HOMENAGEM A TODAS AS VÍTIMAS DE ACIDENTES FATAIS (CAUSADAS PELO ÁLCOOL E POR PESSOAS QUE O INGEREM SEM CONSCIÊNCIA ALGUMA) E A TODOS QUE JÁ PERDERAM ALGUÉM EM ACIDENTES NO TRÂNSITO. DEDICO ESTAS PALAVRAS, PRINCIPALMENTE, A TRÊS PESSOAS QUE SE FORAM FISICAMENTE, MAS QUE CONTINUAM VIVAS NA MINHA MENTE E NO MEU CORAÇÃO. VÓ, TIO E PRIMO <3